Wednesday, August 10, 2011

Da criação do mundo, e de Santo Antonio dos Anjos de Laguna.

Pessoal, esse conto eu escrevi logo que cheguei em Laguna, impressionado com os talentos da terra, e feliz por passar a viver num lugar onde se respira historia e natureza. Costumo dizer que vivemos num quadro, pois Deus foi maravilhoso ao criar este lugar. Espero que gostem!


"Faziam três dias que Ele trabalhava em sua criação. Chovia muito. Debruçado sobre o mundo ele riscava com seus dedos finos, riachos e rios. Cavava os oceanos com suas mãos já cansadas. O quarto dia era chegado quando ele se debruçou sobre uma pequena parte daquele mundo que se formava. Por uma dessas razões que ninguém explica, naquele dia Ele não teve pressa. Se detivera a pensar naquele cantinho de chão, e decidira fazer daquelas paragens algo especial que coroasse aquele dia. De um lado continuou a cavar o mar, e juntou pequenos pontinhos de terra a alguma distância da costa. Com suas unhas riscou o interior e alguns rios passaram a escoar as águas que desciam da grande serra que vinha formando no dia anterior. Parou, e com um dedo separou uma faixa de terra do continente numa longa extensão e a água tomou conta dessa depressão. Para escoá-la fez um sulco até o mar. Essa grande faixa de terra ficou assim entre a lagoa e o mar.
Então ele pensou. Vou construir um casario, uma pequena doca, uma praça, uma igreja, vegetação verdejante morro acima. Protegidos dos ventos, de frente para a lagoa que corria para o mar ali perto. Na água, espécies para alimentar sua criação maior, que já tinha em mente. No ar, espécies animais, embelezando o dia e a noite com seus vôos alegres. Bandos. No mar, seres de várias espécies que serviriam de alimento. Fez com especial esmero uma espécie que mais tarde se uniria à sua criação maior para tirar das águas seu sustento, o boto. Estava pronto o cenário, o palco onde por longas eras desfilariam personagens condenadas a viver intensamente esse lugar. Teve uma idéia: uma fonte de águas com propriedades tais, que tornariam enfeitiçados os que dela bebessem.
Então, no meio da praça com um sopro criou um grande ovo. A gênese ali se formaria como planejara. Os pingos da chuva batiam na casca num ritmo que aumentava a cada instante. O que estaria reservado para acontecer dentro de pouco tempo? Trovões e raios cruzavam os céus e o vento fazia bater com força a chuva que caía sobre aquele ovo gigante. De repente um raio cruzou o céu vindo cair no meio daquele receptáculo gigante, rachando sua estrutura. Uma fenda se abriu, e no meio de raios e trovões, um pé, depois um braço, uma cabeça e finalmente um corpo de um homem nú caiu na praça olhando ao redor. Olhou para a fenda que se abria aos poucos, e outro ser de formas femininas de lá também saiu. Olhavam assustados a praça e o casario. Se levantaram e se moviam lentamente como que se acostumando ao meio estranho. Outros se seguiram. No início eram poucos, depois dezenas, centenas que saiam pela fenda agora ampliada. Num ritmo alucinante das batidas da chuva eles dançavam na praça e desfilavam nas ruas. Eram pescadores, guerreiros e guerreiras, artistas, poetas, cantores, dançarinos e cavaleiros. Caras expressivas entrando em cena num carnaval alucinante. Eram Joãozinhos, Pedrinhos e outros tantos. Eram Anitas, Teresas e Cristinas, belas, de olhares mágicos e penetrantes. Apaixonadas e insinuantes. Amantes. Sorridentes. Para povoar a terra diferente. Terra onde a arte teria uma vertente, tão forte como as correntezas que se haviam formado naquele quarto dia da Criação.
Satisfeito Ele se foi. Tinha mais terras e mares para criar. Por ordem do Pai Altíssimo, muitos anos então se passariam até que a verdadeira história dessa Criação fosse finalmente a todos revelada. Que fizera Ele nesse quarto dia diferente! Teria Ele inventado as artes? Não, as artes ele iria por em todos os recantos, mas nesse canto do mundo com certeza, tinha deixado Ele uma semente, que contaminaria muita gente, que passariam pois a todos descendentes, um pouco da emoção daquele dia, em que distraído então se detivera, a criar Santo Antonio dos Anjos da Laguna e sua gente. "


Cláudio Machado
Agosto/2004

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